Por Davi Helon de Andrade
A palavra “aliança” não aparece no relato da
criação. Isto é, para muitos, prova de que não é legítimo falar de uma aliança
de Deus com o homem estabelecida no momento da criação.
Contudo,
deve-se levar em conta os seguintes fatos:
O.
Palmer Robertson argumenta, em seu livro Cristo Dos Pactos, que a palavra berith (pacto) também não aparece em 2
Sm 7 ou 1 Cr 17, onde Deus confirma a sua aliança com Davi. Isto não significa
que esses textos não falam de uma aliança de Deus com Davi, pois, tanto 2 Sm
23.5 como Salmo 89.3 falam de uma aliança de Deus com Davi.
Gerard
Van Groningen argumenta, em seu livro Criação e Consumação, que o termo
“Trindade” também não aparece na Escritura, embora seja ensinado por muitas
referências às três pessoas. Em Gênesis 3 o Pacto da Redenção/Graça foi
incorporado ao Pacto da Criação; contudo, o termo berith não aparece no
capítulo 3 de Gênesis. Nem por isso, argumenta Van Groningen, muitos teólogos
deixam de sustentar o Pacto da Redenção/Graça.[1]
Além
disso, deve-se olhar para três passagens das Escrituras que dão suporte à
doutrina do Pacto da Criação. As passagens são: Gênesis 6.18, Jeremias
33.20,21,25,26 e Oséias 6.7.
Vejamos o que os textos dizem:
Gênesis 6.18 é a primeira evidência para se confirmar a aliança da
criação.
O texto da versão portuguesa Revista e Atualizada diz:
"Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e
teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos,"
O verbo traduzido como "estabelecerei," no hebraico é ~wq kun, e pode ser traduzido como "continuar" ou
"confirmar," Podemos ver exemplos como:
"habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua
descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai."
Gênesis 26.3
“então, confirmarei
o trono de teu reino sobre Israel para sempre, como falei acerca de Davi, teu
pai, dizendo: Não te faltará sucessor sobre o trono de Israel”. I Reis 9.5
O texto também poderia ser traduzido da
seguinte maneira:
“Contigo,
porém, confirmarei a
minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres
de teus filhos" (Gn 6.18).
“Eis
que confirmo a minha
aliança convosco, e com a vossa descendência, e com todos os seres viventes que
estão convosco: tanto as aves, os animais domésticos e os animais selváticos
que saíram da arca como todos os animais da terra.Confirmarei minha aliança convosco: não será mais destruída
toda carne por águas de dilúvio, nem mais haverá dilúvio para destruir a terra”
(Gn 9.9-11).
Dessa forma, Deus estaria confirmando
ou continuando uma aliança com Noé, uma aliança anteriormente estabelecida,
esta só podendo ser a aliança ou pacto da criação.
Jeremias 33.20-21, 25-26 faz uma
segunda referência a uma aliança com o dia e aliança com a noite:
“Assim diz o SENHOR: Se puderdes invalidar a minha aliança com o dia e a
minha aliança com a noite, de tal modo que não haja nem dia nem noite a
seu tempo, poder-se-á também invalidar a minha aliança com Davi, meu servo,
para que não tenha filho que reine no seu trono; como também com os levitas
sacerdotes, meus ministros...Assim diz o SENHOR: Se a
minha aliança com o dia e com a noite não permanecer, e eu não mantiver as leis
fixas dos céus e da terra, também rejeitarei a descendência de Jacó e de Davi,
meu servo, de modo que não tome da sua descendência quem domine sobre a
descendência de Abraão, Isaque e Jacó; porque lhes restaurarei a sorte e deles
me apiedarei”.
Aparece a expressão "a minha aliança com o dia e com a noite."
Jeremias pode estar se referindo nesses versos: à criação ou ao pacto com Noé,
onde Deus promete manter a ordem fixa das estações, dia e noite (Gn 8.22).
Porém, o texto paralelo de Jeremias
31.35-36 confirma a primeira opção (criação) como melhor
“Assim diz o SENHOR, que dá o sol para a luz do dia
e as leis fixas à lua e às estrelas para a luz da noite, que agita o mar e faz
bramir as suas ondas; SENHOR dos Exércitos é o seu nome. Se falharem estas leis
fixas diante de mim, diz o SENHOR, deixará também a descendência de Israel de
ser uma nação diante de mim para sempre”.
Assim, Jeremias estaria, ao falar do pacto com a casa de Israel e com
Davi, refletindo o fundamento do pacto de Deus com a criação. Da mesma forma
que o pacto estabelecido por Deus com a criação, "a aliança com o dia e
com a noite," não pode ser invalidada, o pacto com Davi tem que ser e será
mantido.
Oséias 6.7 é um terceiro texto que nos mostra Adão
inserido em uma aliança que ele transgrediu no Éden.
“Mas eles
transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim”.
Oséias 6.7
Alguns tentam mostrar que a tradução correta seria “em Adão”. Mas a preposição proíbe essa
tradução. Outros propõem a tradução “como
homens”, mas não há plural no original. A tradução, “como Adão”, é a
melhor.
Vemos também em Romanos 5.12-21 que Paulo considera
Adão e Cristo como cabeças de um povo que eles representam, algo que seria
inteiramente coerente com a ideia de Adão estar em uma aliança antes da queda.
Como então entendermos esta aliança?
O Teologo Palmer Robertson
a chama de aliança da criação, podendo ser discutido em termos do seu aspecto
geral e do seu aspecto focal.
No aspecto geral da
Aliança da criação relaciona-se com as responsabilidades mais amplas do homem
para com seu Criador. No Aspecto focal da aliança da criação relaciona-se com a
responsabilidade mais especifica do homem decorrente do momento especial da
prova ou teste instituído por Deus.
Aspecto focal
Na criação, Deus comprometeu a humanidade consigo
mesmo numa aliança de vida e morte.
A Confissão de fé de Westminster deu o nome para
este pacto de Pacto das obras.
“O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de
obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a
condição de perfeita obediência pessoal”. VII
II
A arvore do conhecimento
do bem e do mal exerceu um papel-chave nesse procedimento de teste: a
obediência significava vida e a desobediência significava morte.
“E o SENHOR
Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da
árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela
comeres, certamente morrerás”. Gn 2.16,17
Vemos de maneira clara neste texto o conceito de aliança.
1. As partes envolvidas: Deus e Adão.
2. Promessa da aliança: Vida Eterna.
3. Condição da aliança: Obediência implícita e
perfeita.
4. Castigo anunciado: Morte física, espiritual e
eterna.
5. Sacramento: Arvore da vida: Participando daquela
árvore, Adão e Eva estariam participando da promessa da vida eterna que Deus
daria. O fruto em si não possuía propriedades mágicas, mas era um sinal
exterior pelo qual Deus garantia que a realidade interior ocorria Gn 3.22.
Aspecto geral
Deus construiu um mundo de modo que esse único portador
da imagem tivesse responsabilidades consoantes à sua dignidade pessoal como
homem.
1 O Mandato Espiritual
“E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De
toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem
e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”
Gênesis 2.16,17
“Assim, pois, foram
acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E, havendo Deus terminado no
dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que
tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou
de toda a obra que, como Criador, fizera”. Gênesis 2.1-3
Aqui somos introduzidos ao conceito de relação entre o homem e
Deus por meio de um pacto. Deus é visto como sendo o Soberano que exige do
homem uma observância das estipulações pactuais. Vejamos o que está envolvido
neste mandado espiritual:
- A comunicação: Adão
falava com Deus (Gn 3.8-10). Havia uma comunicação entre a criatura com o
Criador. A própria ordem de Deus para não comer da árvore aponta para esta
comunicação.
- A Obediência a uma
ordem: Em
Gênesis 2.16 tem a expressão “deu esta ordem” exige de Adão uma obediência
e uma conformidade para com a Lei de Deus expressa no pacto. O pacto
envolvia vida e morte. O certamente “morrerás” no versículo seguinte
indica que a vida e morte se relacionavam com o pacto. Por isso, exigia-se
da parte que estava pactuando com Deus (no caso Adão) uma obediência
inteira, exata e perpetua.
- Adoração: O
mandado espiritual envolve a questão da adoração oferecida ao criador. No
inicio de tudo já podemos dizer isso. Em Gênesis 2.1-3 indica que Deus
cria o sábado para ser o dia de adoração, este sábado é um memorial da
criação de Deus. O sábado é instituído como dia de culto onde Adão e sua
família deveria se deleitar.
Com respeito ao sábado Gerhard Von Rad diz:
Ainda que provisório e não plenamente consciente para o
homem, o repouso é um bem salutar de que Israel participará um dia quando
chegar o momento oportuno. Seria errado pensar que esse repouso com que Deus
encerra a criação seja uma espécie de abandono do mundo como se voltasse as
suas costas para ele, quando é precisamente o contrario, é o modo de Deus vir
ao encontro de sua criatura no mistério da graça[2].
2 O mandato
social
“Criou
Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede
fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes
do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.” Gênesis
1.27,28
A
fecundidade e capacidade de multiplicação, duas bênçãos descritas nesse verso,
eram também ordens diretas do Criador para aqueles que foram feitos à sua
imagem e semelhança.
Todo
o contexto do capítulo dois (2.4-25), uma explicação do ocorrido no sexto dia
do relato da criação, nos ensina que o homem e a mulher foram criados por Deus
para o auxilio mútuo, tendo sido a mulher criada a partir do homem. A narrativa
diz que Adão reconheceu a mulher como tendo sido feita da sua essência (“osso
dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2.23), e o autor da narrativa
comenta que, por essa razão,
“deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma
só carne” Gênesis 2.24
Assim
como o mandado espiritual, o mandado social deveria ser um desenvolvimento da
aliança entre o homem e a mulher, um relacionamento a ser cultivado por ambos
no contexto do casamento. Assim, num relacionamento íntimo com o Criador, o
homem e a mulher desenvolveriam o mandado social. Assim entenderam os teólogos
de Westminster:
O
matrimônio foi ordenado para o mútuo auxílio de marido e mulher, para a
propagação da raça humana por uma sucessão legítima e da Igreja por uma semente
santa, e para impedir a impureza (CFW 24.2).
3 O mandato, cultural,
Pode
ser visto nos seguintes textos:
“... tenha
ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais
domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gn 1.26).
“... enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.” (Gn 1.28).
“Tomou,
pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do
Éden para o cultivar e o guardar.” (Gn 2.15).
Segundo
esses três textos, o homem criado por Deus tem em suas mãos as funções de
domínio, sujeição e cultivo (Ver Salmo 8). No contexto da criação, isso
implicaria em muito trabalho, nas mais diversas áreas. Ele deveria tomar tempo
para cultivar o solo, exercer o domínio e, consequentemente, gozar e desfrutar
do trabalho de suas mãos,12 tudo isso em um ambiente de plena
harmonia. Fazendo assim, também estaria obedecendo ao Criador que o havia
criado e equipado para tais coisas. Portanto, o mandado cultural envolve as
áreas do trabalho, política, ensino, tecnologia, lazer, etc. O ser humano
criado à imagem e semelhança de Deus deveria, em um certo sentido, desenvolver
a criação perfeita, representar o Criador e fazer cumprir a sua soberana
vontade. Assim, o seu papel de vice-gerência seria cumprido sob as estipulações
de vida e amor do pacto da criação.
No
entanto, essa harmonia perfeita era dependente do comportamento do homem diante
das estipulações do pacto, e ele deve
conduzir o mundo em sua consagração de todas as coisas para a Glória de Deus.
(Gn 2.3).
Porém o primeiro homem fracassou no teste e em seu
fracasso ele perdeu a vida
Oséias 6.7 nos mostra que
Adão transgrediu a aliança no Éden.
“Mas eles
transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim”.
Oséias 6.7
Vemos também em Romanos 5.12-21 que Paulo considera
Adão e Cristo como cabeças de um povo que eles representam, algo que seria
inteiramente coerente com a ideia de Adão estar em uma aliança antes da queda.
Porém, uma pergunta deve ser feita com relação à aliança da
criação no seu aspecto focal, também conhecida como aliança das obras.
Ela ainda esta em vigor?
Podemos dizer que sim.
Paulo deixa claro que a obediência perfeita às leis de
Deus, caso fosse possível, conduzia a vida, vejamos:
“E o mandamento que
me fora para vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte”. Rm
7.10
“Ora, Moisés
escreveu que o homem que praticar a justiça decorrente da lei viverá por ela”.
Rm 10.5
“Ora, a lei não
procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá”.
Gl 3.12
A aliança das obras ainda esta vigorando em cada ser
humano separado de Cristo.
“o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida
eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Rm 6.23
Até o próximo post
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