terça-feira, 4 de setembro de 2012

TEOLOGIA DO PACTO - Parte 1 - Introdução e Conceito de Aliança


Por  Davi Helon de Andrade

Algo de sumo importância para entendermos bem tanto no Antigo como o Novo Testamento e o modo de Deus se relacionar com o homem são as alianças, pois muitas das heresias existentes vêm de uma má compreensão das mesmas. A importância de se conhecer as alianças é de suma importância para nortear nossos passos teológicos. Um exemplo que podemos dar é que as igrejas de origem calvinistas têm como base a teologia do Pacto (aliança), porém por um entendimento diferente em alguns pontos nas alianças, surge a teologia dispensacionalista.
Porém, é importante ressaltar que Teologos dispensacionalistas e aliancistas colocam-se lado a lado na afirmação dos princípios essenciais da fé cristã e também muitos pontos em comum e dentro de ambas as posições existem teólogos eruditos e piedosos.

A diferença nas duas correntes teológicas encontra-se na hermenêutica.
O dispensacionalista acredita que dentro da revelação bíblica há varias épocas, cada uma marcada ela maneira distinta de Deus tratar com o homem. Cada uma destas diversas formas chama-se dispensações, podendo ser até sete.
Diferentemente a Teologia do Pacto acredita que Deus se relaciona pactualmente com suas criaturas desde a eternidade.

Por isso através deste estudo, pretendo mostrar de uma maneira consistentemente bíblica da teologia do Pacto.

Soli Deo glória


1          CONCEITO DE ALIANÇA

Quando pensamos na palavra aliança ou pacto, o primeiro conceito que vem à mente é a ideia de um contrato entre, pelo menos, duas partes, tendo nesse contrato, condições, promessas e penalidades.

O conceito bíblico de aliança não se distancia do que costumamos ver ou pensar.
Como então podemos definir aliança bíblica para assim a entendermos?

Aliança é um acordo de sangue, imutável e divinamente administrado.
 


A partir desta definição vejamos o conceito de aliança na Bíblia.


A         A palavra aliança

1.    No Hebraico
A palavra para aliança ou pacto em hebraico é berith, e aparece cerca de 290 no Antigo Testamento, sendo sua etmologia incerta.

Segundo Mauro Meister as posições mais defendidas são:
“1.Que berith é derivada do assírio birtu, que significa "laço", "vínculo"; 2. Que o substantivo tem origem na raiz de barah, "comer," que aparece poucas vezes no Antigo Testamento (2 Sm 3.35; 12.17; 13.5; 13.6; 13.10; Lm 4.10), e está relacionado com a cerimônia que selava um acordo ou relacionamento entre partes; 3. Que o substantivo está ligado à preposição bein "entre."(33)[1]” 

Estudiosos do Antigo Testamento como W.J. Dumbrell, Gerard Van Groningen, Mauro F. Meister e O. Palmer Robertson defendem a primeira alternativa que diz que berith é derivada do assírio birtu, significando “laço”, “vínculo”[2].

Já Berkhof diz:
“...que a opinião mais geral é que deriva de barah, pois contem uma reminiscência da cerimônia mencionada em Gn 15.17.[3]

Mas, também comenta: “... a questão da derivação não tem grande importância para a elaboração da doutrina[4]”.
Ao estudarmos a palavra berith no Antigo Testamento, “a raiz da palavra não é usada em parte alguma como verbo no Antigo Testamento, como também nenhum derivado desta raiz;[5]

Charles Hodge com respeito ao seu significado diz:
“ainda que às vezes seja empregada pra denotar a lei, um arranjo ou uma disposição geral, onde os elementos de um pacto, estritamente falando, estão ausentes, todavia não pode haver dúvida de que, segundo seu uso prevalecente no Velho Testamento, significa um contrato mútuo entre duas ou mais partes[6]”.

Vejamos alguns exemplos
·         Gênesis 26.26-31: Abimeleque e Isaque fizeram um “acordo”, “pacto”, para viverem em paz. Esse “pacto” foi confirmado por um juramento.
·         Josué 9.15: Josué e o Gibeonitas se uniram, por um juramento, para viver juntos em paz;
·         Reis 5.12: Salomão e Hirão fizeram um “tratado”, “pacto”, para viver em paz conjuntamente;
·         Samuel 20.3, 16.-17: Davi e Jônatas se uniram, quando fizeram uma “aliança” de amizade;
·         Malaquias 2.14: O casamento é apresentado como uma “aliança”. Duas pessoas se unem, se casam, fazem uma aliança.
É importante ressaltar que em todos os contextos acima, a palavra berith denota a obrigação de uma pessoa para com outra. Por exemplo: a obrigação do homem em ser fiel à mulher de sua mocidade em Malaquias 2.14.
A etimologia de berith, conforme defendida acima, insinua que há mais de uma parte no pacto.


2.    No grego
Com respeito a palavra aliança na versão grega do Antigo Testamento a septuaginta, com exceção de Dt 9.15 (marturion) e I Rs 11.11 (entole), a palavra traduzida de berith para o grego foi diatheke.
Porém, a palavra mais correta para ser traduzir berith seria syntheke.
A palavra syntheke no grego clássico mostra que “duas partes que se dedicam a uma atividade em comum aceitam obrigações recíprocas[7]”.
Mas, porque diatheke e não syntheke?

Wayne Grudem explica muito bem:
“Os tradutores da versão grega do antigo testamento (conhecida como septuaginta) utilizaram a palavra diatheke e não o termo grego comum para referencia aos contratos o acordos em que ambas as partes são iguais (syntheke). A palavra diatheke enfatiza que as provisões da aliança foram estabelecidas por apenas uma das partes[8]”.

Não somente Wayne Grudem fala sobre diatheke como as provisões da aliança sendo estabelecidas por apenas umas das partes, mas o dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento também mostra que no Grego Clássico ela também poderia ser usada desta maneira. “Noutros lugares, sempre significa uma ação que parte dum lado só[9]”.

Berkhof explica:
“A ideia de que a prioridade pertence a Deus no estabelecimento da aliança, e que Ele impõe soberanamente a Sua aliança ao homem, estava ausente da palavra grega usual[10]”.

Olhando do ponto de visto que os autores da Septuaginta usaram a palavra diatheke podendo enfatizar que as provisões foram estabelecidas por apenas uma das partes e que berith trás a ideia de um contrato mutuo entre duas ou mais partes.

Wayne Grudem define aliança desta maneira.

            “Uma aliança é um acordo imutável e divinamente imposto entre Deus e o homem, que estipula as condições do relacionamento entre as partes”[11].


B         Aliança um acordo de sangue

            O teólogo Palmer em seu livro o Cristo dos pactos, define aliança da seguinte maneira:
           
“Aliança é um pacto de sangue soberanamente administrado[12]”.

            A frase “fazer uma aliança” no Antigo Testamento significa literalmente, “cortar uma aliança”.
            Palmer diz:
            O exemplo mais claro deste procedimento nas escrituras acha-se em Gênesis 15, no tempo em que foi feita a aliança abraâmica. Primeiro Abraão divide uma série de animais e põe os pedaços uns defronte dos outros. Então uma representação simbólica de Deus passa entre os pedaços divididos dos animais”.

Dessa forma, podemos dizer que a aliança foi “feita” ou “cortada”. A explicação mais correta seria que a “divisão dos animais simboliza um ‘penhor de morte’, no momento de compromisso da aliança. Os animais desmembrados representam a maldição que o autor do pacto invoca sobre si mesmo caso viole o compromisso que fez” (Jr.34.18-20).

Farei aos homens que transgrediram a minha aliança e não cumpriram as palavras da aliança que fizeram perante mim como eles fizeram com o bezerro que dividiram em duas partes, passando eles pelo meio das duas porções; os príncipes de Judá, os príncipes de Jerusalém, os oficiais, os sacerdotes e todo o povo da terra, os quais passaram por meio das porções do bezerro,entregá-los-ei nas mãos de seus inimigos e nas mãos dos que procuram a sua morte, e os cadáveres deles servirão de pasto às aves dos céus e aos animais da terra”.

Por isso, diz-se que uma aliança é na verdade um pacto de sangue, um pacto de vida ou morte. Essa definição está em consonância com Hebreus.9.22 “...sem derramamento de sangue, não há remissão.”


C         Aliança, um acordo de sangue imutável.

As alianças entre Deus e o homem são de caráter imutável.
Alguns podem afirmar que há diferenças entre elas, podemos dizer que há diferentes mordomias, porém, o elemento essencial no âmago de todas elas é a promessa “...serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”. (Gn 17.7,8; Jr 31.31; II Co 6.16; Ap 21.2)

            Genesis 17 nos mostra que o caráter da aliança com Abrão é eterna.
            “Deus lhe respondeu: De fato, Sara, tua mulher, te dará um filho, e lhe chamarás Isaque; estabelecerei com ele a minha aliança, aliança perpétua para a sua descendência”. Gênesis 17.19
            Davi em suas palavras finais diz que Deus estabeleceu com ele um aliança eterna.
            “Não está assim com Deus a minha casa? Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura. Não me fará ele prosperar toda a minha salvação e toda a minha esperança?” 2 Samuel 23.5

O autor de Hebreus fala de uma “aliança eterna” (Hebreus 13.20), ele descreve uma aliança inquebrável que corre continuamente ao longo das eras.

Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança,”.


D         Aliança é um acordo de sangue imutável e divinamente administrado.

Geralmente um pacto é bilateral, ou seja, as duas partes estão envolvidas, mas entre Deus e o homem teólogos têm chamado de unilateral ou monergista, ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus termos.
Neste caso o ser humano é um receptor da aliança divina, sendo Deus o soberano administrador.
Como também já vimos sobre o uso da Palavra diatheke e não syntheke, pois, a palavra diatheke enfatiza que as provisões da aliança foram estabelecidas por apenas uma das partes[13], enquanto syntheke que “duas partes que se dedicam a uma atividade em comum aceitam obrigações recíprocas[14]”.

Isso se torna evidente nos textos abaixo:

"Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos,"  Gn 6.18
 "Farei uma aliança entre mim e ti". Genesis 17.2
           

E         Pontos concernentes de uma aliança

É normal entre alianças que são feitas, existir as partes envolvidas, suas promessas, condições e um sinal selando assim a aliança, desta forma nas alianças de Deus com o homem também vemos:
                       
1. As partes envolvidas.
2. Promessa da aliança
3. Condição da aliança
4. Castigo anunciado
5. Sinal (Sacramento)

Até o próximo post


[2] cf. W.J. Dumbrell, Covenant & Creation, p. 16; Mauro F. Meister, Uma Breve Introdução Ao Estudo Do Pacto, p. 117; Gerard Van Groningen, Covenant(s), p. 1; O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, p. 8-9.
[3] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2.ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p.243.
[4] Ibid., p. 243.
[5] R. L. HARRIS – G. L. ARCHER – B. K. WALKE, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1998), p. 282.
[6] HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo. Hagnos: 2001, p.747.
[7] BROWN, Colin, COENEN, Lothar. (orgs). Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 58.
[8] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 425.
[9] BROWN, Colin, COENEN, Lothar. (orgs). Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento. p. 58.
[10] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2.ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 243.
[11] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 425
[12] ROBERTSON, O Palmer. O Cristo dos Pactos. Luz para o caminho: Campinas, 1997, p. 18.
[13] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 425.
[14] BROWN, Colin, COENEN, Lothar. (orgs). Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 58.

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