segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Por que deixei o Dispensacionalismo?

Davi Helon de Andrade



               Não quero cuspir no prato que comi, pois cresci em uma igreja dispensacionalista e também já fui um. Mas, você deve estar perguntando o que é ser dispensasionalista?
O Teologo Wayne Grudem define muito bem:
“Esta concepção crê que a Igreja é um parêntese na história, eles argumentam que Deus tem dois planos distintos, um para Israel que é terreno e outro para a Igreja que é celestial. Conforme esta posição a Igreja não começou antes do Pentecoste (Atos 2) e não é correto pensar em Antigo e Novo Testamento como partes de uma Igreja[1]
Ou seja, o dispensacionalista é aquele que crê que quando Jesus voltar, vai arrebatar a Igreja de forma secreta dos sete anos de tribulação que virá sobre a terra, para que assim muitos judeus e até não judeus se convertam neste tempo, e então passado os sete anos Jesus volta com a igreja, todos como novos corpos, transformados e então inicia o Milenio com a Igreja e aqueles judeus e não judeus que se converteram na tribulação com seus corpos naturais, Cristo reina por mil anos e então vem o julgamento final e novos céus e nova terra.
E para se ter esta posição é necessário entender que Deus tem um plano para Israel e outro para Igreja, e que a Igreja é um parêntese na história, que as promessa de reino do Antigo Testamento vão se cumprir com Israel no Milenio. Por isso o a tribulação, para Israel se purificar e converter para entrarem no Reino.

 Porém, sempre ouvia que existiam outros que pensavam de maneira diferente dos dispensacionalistas, e que estes eram hereges. Como uma vez em que eu conversava com um amigo sobre um grupo de cantores que não acreditava na trindade, e a resposta dele me surpreendeu muito, ele falou “Tem gente que é pior, que acredita que a igreja vai passar pela grande tribulação”. 
Tudo isto começou a me intrigar, pois grandes Teólogos que estudamos não são dispensacionalista, Posso citar alguns deles aqui como, João Calvino, Louis Berkhof, Leon Morris, Anthony Hoekema, Willian Hendriksen, Charles Spurgeom, Jonathan Edwards, John Piper, R.C.Sproul, Millard Erickson, Augustus Nicodemus, Hernandes Dias Lopes, Heber Campos, além de tantos outros, então eu me perguntava, será que estes homens de Deus são hereges, não percebem uma falha hermenêutica tão grande? É claro que não! Foi então que resolvi me aprofundar no assunto e tive que me render ao que a Palavra de Deus diz, não consegui entender em nenhum versículo que Deus tem um plano para Israel e outro para a Igreja, que elas são distintas e sim que nós como igreja somos o Israel de Deus. O que mais vejo é um certo tipo de ginastica com a hermenêutica para chegar a conclusão dispensacionalista.
Não quero aqui trabalhar com relação com a escatologia, mas sim, sobre o principal ponto que me fez repensar e questionar o dispensacionalismo, e nem quero agredir ninguém com este post, mas apenas expor meu pensamento.

Por que mudei?
A palavra Igreja (Ekklesia) , Literalmente significa, "assembléia ou grupo chamado para fora". Por isso a Igreja é vista como uma assembléia ou reunião dos eleitos, aqueles a quem Deus chama do mundo, separando-os do pecado, para um estado de graça.
No antigo Testamento a palavra usada para Igreja no hebraico é (qahal). Moisés usa a palavra quando diz ao povo que o Senhor tinha lhe dito “Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos” (Negrito meu). (Dt 4.10).
A Septuaginta (Versão grega do Antigo Testamento 150 a.C) traduz a palavra reúne (heb qahal) pelo termo grego ekklesiazo, “convocar uma assembléia”, verbo cognato de Ekklesia no Novo Testamento para Igreja.
Reúne  (Ekklesiazo) este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos”. (Dt 4.10)
           
Estevão em seu discurso no livro de Atos fala do povo de Israel do Antigo Testamento como uma Igreja no deserto;
É este Moisés quem esteve na congregação (Ekklesia|) no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com os nossos pais; o qual recebeu palavras vivas para no-las transmitir.” (At 7.38).

Também podemos ver Paulo escrevendo aos Galatas (gentios e não judeus) chamando a Igreja do Novo Testamento de o Israel de Deus.
            E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus”. Gl 6.16

Não tem como olhar para estes dois texto e ver Estevão e Paulo fazendo uma dicotomia, talvez eles teriam que fazer uma observação no texto. Um dizendo que esta apenas dizendo de uma reunião no deserto e outro dizendo que a Igreja não é o Israel de Deus, lembrendo que Deus tem um plano para os gentios e outro para os judeus, e que a igreja é um parêntese na história ”.
Paulo escrevendo aos cristãos gentios de Éfeso diz primeiramente que estavam separados dos judeus:
naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo”. Ef 2.12-13

            Depois ele diz que foram unidos na mesma igreja e feitos um pelo sangue de Cristo.
13 Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade,  15 aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz,  16 e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade.  17 E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto;  18 porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito.  19 Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus”. Ef 2.13-19

Podemos ainda ver no pensamento do apóstolo Paulo que os gentios foram enxertados, ou seja, foram feitos povo de Deus de maneira antinatural.
Se, porém, alguns dos ramos foram quebrados, e tu, sendo oliveira brava, foste enxertado em meio deles e te tornaste participante da raiz e da seiva da oliveira...Pois, se foste cortado da que, por natureza, era oliveira brava e, contra a natureza, enxertado em boa oliveira, quanto mais não serão enxertados na sua própria oliveira aqueles que são ramos naturais!”, Rm 11.17,24

Paulo diz que Abraão é pai não somente dos que são judeus na carne, mas também espiritual.
E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça,  12 e pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas também andam nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai, antes de ser circuncidado.... Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós,  17 como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem”. Rm 4.11-11,16-17

O apóstolo sugere que os verdadeiros filhos da promessa é que são considerados descendentes de Abraão, ou seja, Israel no sentido mais verdadeiro, não é a nação de Israel por ascendência física de Abraão, mas os que crêem em Cristo.
E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas;  7 nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.  8 Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa”. Rm 9.6-8

O apóstolo Pedro escrevendo também a gentios usa uma linguagem em que era usada para Israel no Antigo Testamento, a Igreja nestes versículos é chamada de:
“... raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus a fim de proclamardes as virtude daqueles que vos chamou da trevas para sua maravilhosa luz” I Pe 2.9-11,
Assim como no Antigo Testamento:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel”.  Ex 19.5,6
Pedro diz que nós não éramos povo de Deus, mas agora somos:
vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia”.


De quem a igreja é formada então?
A confissão de fé de Westminster define Igreja de uma maneira que entendemos ela tanto no Antigo como no Novo Testamento.

“A Igreja católica ou universal, que é invisível, consta do numero total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, sua cabeça: ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas[2]
           
Por esta definição entendemos que a Igreja é composta de todos os salvos tanto do Antigo como do Novo Testamento.
Paulo em Efésios 5.25 afirma “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela”. Aqui o termo Igreja é usado para referir-se a todos aqueles pelos quais Cristo morreu, todos os salvos do Antigo e Novo Testamento, Igreja que Cristo comprou com o seu sangue (At 20.28).
Lembrando claramente que todos os cerimoniais do Antigo Testamento apontavam para Cristo (Cl 2.16,17; Hb 10.1-10), e que não foram estes cerimoniais que salvaram os crentes do Antigo Testamento, mas a morte de Cristo e como ele morreu pela sua Igreja e derramou o seu sangue para comprá-la, logo isto também inclui os crentes do Antigo Testamento.
            Também vemos claramente que o próprio Senhor Jesus disse que edificaria sua Igreja em:
             “também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Mt 16.18

Porém mais a frente ele a reconhece como uma instituição já existente:
E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano”.

Ademais, esta era atual da igreja que tem trazido a salvação a muitos milhões de cristãos, não é uma interrupção ou parêntese nos planos de Deus, mas a continuação do seu plano expresso por todo Antigo Testamento chamando pessoas para si.
            28 Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne.  29 Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus” Rm 2.28,29.

          Não quero com este artigo, discriminar e nem chamar de hereges os dispensacionalistas, tenho muitos amigos e irmãos em Cristo que são e tenho muito respeitos por eles, mas quero aqui deixar um pouco do que penso, também como desabafo, mostrando que apesar de sermos pecadores e imperfeitos, os aliancista também pensam. 
        Mas assim como de dois povos Deus derrubou a barreira que existia e fez um, quero deixar aqui que apesar da diferença de opinião, ela não nos separa, somos irmãos em Cristo e trabalhamos pelo mesmo reino, seja ele futuro para os dispensacionalistas ou presente para mim.
            No amor e pela causa de Cristo.


[1] GRUDEM, Wayne A. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos ensinos fundamentais da fé      cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001, pag. 405.
[2] Confissão de fé de Westminster. Cap. XXV.

5 comentários:

  1. Davi
    Muito bom este artigo e faço tb minhas as sua palavras pois tambem já fui dispensacionalista, mas confesso que minha fé era baseada nos esquemas e nao no que realmente estava na Palavra.
    Penso que o texto de Rm 9 a 11 é realmente esclarecedor. Pena que a maioria dos que se dizem cristãos hoje em dia evitam esta passagem!
    Continue postando artigos como este que ensinam e trazem amadurecimento. Abração.
    Jose G Carvalho

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  2. Venho sendo balançado a muito tempo pelo Dispensacionalismo, mas graças a Deus, após ler esse artigo, fui esclarecido.
    Dispenso o Dispensacionalismo!

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